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  • Foto do escritorLuciana Garcia

Minha experiência na amamentação de uma criança com hipotonia, cardiopatia e T21

Atualizado: 30 de nov. de 2023

Minha jornada no aleitamento materno



amamentação mãe amamentando um bebê T21 na posição de cavalinho
Luciana com Maya, logo após o seu nascimento.


Agosto é o mês da campanha para amamentação e como não podia deixar de ser, escrevi sobre o assunto na minha coluna do Leiturinha. O título escolhido foi Amamentação e T21. E quando estava escrevendo, comecei a pensar no tanto de coisa que se tem pra falar sobre o assunto. Por isso resolvi continuar por aqui e fazer um relato autêntico e sincero. Sinto que muitas vezes, nesse mundo contemporâneo, somos bombardeadas de informação (literalmente) e isso pode ser sufocante. Segue o fio que você vai perceber o porquê lá final.


Amamentação e aleitamento materno foi um tema da gravidez que me gerou uma expectativa muito grande. Minha mãe sempre me disse que não tinha me amamentado, que não tinha leite.

Amamentação e aleitamento materno foi um tema da gravidez que me gerou uma expectativa muito grande. Minha mãe sempre me disse que não tinha me amamentado, que não tinha leite. E de fato, não tenho nenhuma foto de pequena no peito da minha mãe. Aí você pode dizer: Luciana, desculpa flor, mas você é dos anos 80! Ninguém batia foto de tudo como se faz hoje. De fato. Mas o curioso é que eu tenho sim uma foto mamando no peito... da minha tia! Nem quero falar aqui do quão estranho é isso, mas a imagem serviu pra reforçar a ideia de que a minha mãe não teve leite.


Corta para mim gestante, querendo aprender tudo sobre maternidade lendo que não existe mulher que não tenha leite e o medo de ser uma mulher sem leite como minha mãe. Até bomba extratora de leite eu comprei no sétimo mês de gestação depois que li que era legal começar a usar bomba no último mês pra começar a estimular o peito (isso não tem nenhuma comprovação científica, tá gente?! Não façam essas coisas sem pesquisar artigos científicos antes).


Moral da história: Maya nasceu com 39 semanas e tive leite, muito leite. Eu contratei uma pediatra neonatal maravilhosa pra me acompanhar no parto da Maya e garantir que ela fosse amamentada logo ao nascer. É claro que ninguém pode te garantir isso, mas se assegurar de ter uma profissional lá ao seu lado, humanizada e preocupada em fazer a coisa acontecer faz muita diferença – especialmente se você já sabe que a sua filha é cardiopata e T21 antes dela nascer.


Maya nasceu e veio direto para os meus braços, e sim, foi amamentada. E sugava muito, para o espanto de todos.

Maya nasceu e veio direto para os meus braços, e sim, foi amamentada. E sugava muito, para o espanto de todos. Lá no artigo do Leiturinha eu conto que, existe um mito de que crianças T21 não conseguem mamar muito bem no peito por serem hipotônicas. Mito, gente, mito dos grandes. Ela pode ter mais dificuldade (não todas) mas elas conseguem. Do contrário, pense bem, não estariam por aí até hoje.


Realizado o sonho, partimos para a realidade. Maya ficou presa 17 dias na UTI Neonatal e com isso as chances que eu tinha de amamentá-la eram pouquíssimas. Então eu ia no banco de leite do hospital tirar meu leite para que ele fosse oferecido pra ela via sonda. Ter um filho recém-nascido na UTI é um filme de terror que eu não desejo pra mãe nenhuma. Mas o momento de entregar o copinho cheio de leite era uma das poucas alegrias daquela época. E eu ia somando a quantidade sempre maior de leite que conseguia tirar ao longo dos dias e chegava em casa toda orgulhosa: hoje eu tirei 270ml, hoje eu tirei 400ml! Cada relato era de uma felicidade sem fim.


Na primeira infância, eu fui uma criança com a saúde muito frágil. Quando nasci, eu não produzia anticorpos. Não que tivesse algum bloqueio para tal. Apenas o meu corpo não entendia que tava na hora de começar a se defender desse mundão. Precisei tomar uma vacina para estimular o organismo a produzir anticorpos. Depois disso, comecei a ter reações estranhas no corpo que ninguém sabia dizer o que eram.


Meus pais relatam irem semanalmente comigo ao médico, que a cada consulta trocava a medicação (sem efeito nenhum). Minha mãe conta que enchia uma caixa de sapatos com todos os remédios que eu tinha que tomar, na sua maioria antiobióticos. Eu estava quase à beira da morte quando decidiram ir a um centro maior para investigar e, segundo contam, era intolerância à lactose. Parei de tomar o leite e melhorei. Vejam. Essa história não é pra servir de referência pra nada, porque a gente precisa entender que isso aconteceu lá nos anos 80, onde as pessoas não tinham 1/10 da informação e do acesso a informação que temos hoje. Mas isso explica algumas coisas que vou contar agora.


Durante a sua jornada de engorda pra aguardar a cirurgia do coração, minha filha apresentou um sangramento nas fezes – já no hospital em que ela iria operar – e logo foi diagnosticada com APLV (alergia à proteína do leite de vaca). Conversando posteriormente com a pediatra da Maya, descobri que não há intolerância à lactose na infância, como se acreditava antigamente, e sim APLV. A intolerância à lactose é algo desenvolvido mais tardiamente no ser humano. Então eu soube, 43 anos mais tarde, que o que a vida toda foi me dito que era intolerância à lactose era na verdade outra coisa.


Bom, quando a Maya apresentou APLV, eu continuava extraindo o meu leite para oferecer a ela via sonda. Ela ficava muito taquipneica com a amamentação natural e, para que não se esforçasse demais e perdesse peso, ficou sendo alimentada pela sonda até operar. Então eu precisei fazer uma dieta muitíssimo rigorosa, que excluía qualquer traço de leite da minha alimentação. E quando eu digo rigorosa, é rigorosa MESMO. Basicamente eu só podia comer no hospital e na minha casa.


Em casa, a louça em que se preparava a minha comida era separada do restante dos utensílios. As embalagens eram lidas com lupa para eliminar alimentos com traços de leite (e pasmem, até molho de tomate diz na embalagem “pode conter leite”). É um saco.


Em casa, a louça em que se preparava a minha comida era separada do restante dos utensílios. As embalagens eram lidas com lupa para eliminar alimentos com traços de leite (e pasmem, até molho de tomate diz na embalagem “pode conter leite”). É um saco. E isso acontece porque a indústria precisa se preservar de processos. Porque no mesmo maquinário que se produz algo com leite, depois de uma rápida lavagem eles produzem algo cuja receita não vai leite. Mas como não podem garantir com 100% de precisão que não tem leite, precisam indicar na embalagem. Então “pode conter” se torna um pesadelo na tua vida que limita toda a tua alimentação a uma ideia hipotética que jamais poderá ser confirmada. Pode conter. Que inferno.


Depois de um tempo nessa dieta, decidimos em conjunto com a pediatra fazer uma ressensibilização ao leite, através, claro, da minha alimentação. Então comi um bolo que continha leite e amamentei. E ela voltou a ter sangramento nas fezes. Isso significava que ela precisaria retornar à uma fórmula especial com a proteína super hidrolisada enquanto eu ficava 20 dias ordenhando e separando esse leite (que ela não poderia tomar). O leite de vaca é tinhoso. Ao contrário do álcool, que desaparece depois de algumas horas, o corpo leva 20 dias para excluir todo traço de leite do organismo.


Para matar a vontade de várias coisas, como strogonoff, chantili, pão de queijo e afins, fui atrás de substitutos para o leite. E alguns produtos realmente substituem bem, mas são caríssimos. Então quando fomos tentar a segunda sensibilização da Maya, precisei me preparar psicologicamente para parar de amamentá-la, caso a APLV persistisse. Foi uma decisão duríssima. Ao mesmo tempo em que queria que ela tivesse a melhor experiência do mundo em termos nutricionais, eu também estava esgotada, depois de quase 3 meses vivendo em um hospital, lidando com aquela preparação infinita para a cirurgia e sua recuperação. Eu estava exausta e precisava escolher minhas lutas.


E aqui eu chego num ponto essencial de ter decidido escrever sobre isso: uma mãe precisa escolher suas lutas. Sou uma defensora da amamentação, do parto natural humanizado, de várias coisas muito positivas. Mas a gente precisa às vezes olhar pra dentro da gente e se questionar o quão positivo isso tá sendo PRA MIM. Qual é o preço que eu estou pagando pra viver esse sonho dourado?


Alguém na época, não me lembro quem, me perguntou: Luciana, o que você queria quando engravidou? Você queria amamentar ou ter um filho? – foi aí que eu entendi tudo. Sim, era muito legal amamentar. Mas o mais importante era o filho. E a filha, no caso, ficaria muito bem obrigada sem o meu leite. E eu seria mais feliz, mais inteira, e mais livre sem o fardo daquela alimentação xiita. Eu amamentei por 6 meses, e isso foi mais leite materno do que eu recebi na minha infância. Então eu consegui relaxar. Claro que ainda hoje, quando penso na amamentação, sinto saudades na Maya no peito – mas conheço mães que amamentaram por 3 anos e ainda tem o mesmo sentimento. Mesmo amamentando menos do que eu gostaria, eu amamentei – e isso me traz paz.


Quando eu recebi o tema da campanha pela amamentação, também pensei no quanto que quando a gente faz algo “em prol de” automaticamente a gente exclui, a gente fere pessoas, é inevitável. Se você é uma mãe que não pode amamentar, ou porque seu filho nasceu com lábio leporino, língua presa, ou alguma outra questão; se você precisou tomar algum tipo de medicação muito forte que inviabilizou a amamentação, gostaria que se sentisse acolhida.


A campanha do aleitamento materno é sobre empoderamento. É sobre as mulheres acreditarem que o seu leite é bom o suficiente pra nutrir o seu filho. Mas precisa ser também sobre acolhimento. Sobre dizer que tá tudo bem se você não puder amamentar. Ressignifique esse momento. Dê a mamadeira olhando a sua criança nos olhos, sorrindo pra ela. Deixe claro o amor que emana de você para esse bebê, ele saberá. Materne do seu jeito, do jeito possível - e com a certeza de que você está dando o seu melhor.



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