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  • Foto do escritorLuciana Garcia

Onde pega esse crachá?

Atualizado: 22 de jun. de 2023



Desde que anunciei que iria escrever sobre Maternidade Atípica no Leiturinha, fui questionada sobre a minha bagagem. “Mas você ainda não tem muita experiência como mãe atípica, né?! – foi uma das frases que ouvi, como se estivesse tomando o lugar de fala de alguém. Por isso, resolvi contar pra vocês como a maternidade atípica entrou na minha vida. Ainda que, como jornalista, pudesse falar sobre esse e outros temas, a maternidade atípica tornou-se o foco central da minha vida (vida real, real oficial).


Recebi o diagnóstico da trissomia da Maya no primeiro morfológico, na 11ª. Semana de gestação. Você está a menos de 3 meses sabendo da sua gravidez tão esperada, e já é confrontada com um diagnóstico que vai virar a sua ideia de maternidade de ponta cabeça. (Não me entenda mal, ser mãe da Maya é a coisa mais maravilhosa do mundo, e não a trocaria por nenhuma outra criança – muito menos gostaria que ela não fosse quem é, sem qualquer uma de suas características; minha filha é mayavilhosa.)


Mas receber da médica que me atendia no momento a sugestão de interromper a gestação, é de uma agressividade que só vivencia quem se torna mãe atípica. Nenhum profissional vai sugerir que você interrompa uma gestação de criança típica.

Nesse momento, você já começa a se perguntar qual é o tipo de sociedade que está esperando pelo seu filho. Quais são os braços que vão ampará-lo na vida nos momentos em que você não estiver por perto?


Isso, com apenas 3 meses de gestação. Ali, você já começa a entender que haverá uma luta diária a ser travada por acessibilidade, inclusão, respeito, direitos, igualdade. Se você tem tempo, e se tem um espírito investigativo (ou você é uma jornalista tinhosa como eu), começa uma pesquisa incansável sobre tudo que se sabe até hoje sobre as questões relacionadas ao seu bebê.


Então você precisa não só aprender a trocar fralda, mas precisa saber também que o seu bebê pode ter uma maior tendência a constipação que as outras crianças; você precisa aprender sobre introdução alimentar, mas precisa também saber que crianças T21 demoram mais para ter dentes, e têm hipotonia (que pode afetar o aparelho digestivo) e que a sua introdução alimentar talvez não seja feita da mesma forma que a de outros bebês. Você precisa aprender sobre desenvolvimento infantil, mas tem que saber também que com seu filho não será necessariamente da mesma maneira ou no mesmo tempo que as crianças típicas.


E já precisa acalmar seu coração e se preparar pra lá na frente ensinar pra ele sobre coragem, sobre superação e resiliência – e sobre como enfrentar a não aceitação e a ignorância de algumas pessoas também. Você vai ouvir muitas coisas de muitas mães típicas que vão te frustrar, vão te magoar e vão te encher de raiva em muitos momentos. Mas como aprendi que sentimento ruim é um veneno que você toma esperando que outra pessoa morra, entendi que é preciso fazer algo bom de todo e qualquer limão que te apareça. Reinvenção é palavra de ordem na maternidade atípica – nada mais será como é, nem parecido com o que você imagina. E todo mundo que fala “eu imagino” não faz a mínima ideia do que está falando.


Minha filha nasceu e foi direto para o UTI. Passou 17 dias lá. Depois fomos para casa e lá ficamos exatos (e apenas!) 10 dias, quando voltamos para o hospital e lá vivemos outros 77 dias até que estivesse plenamente recuperada da sua cirurgia do coração. Enquanto minhas amigas mães passeavam com seus filhos no parquinho, minha menina não podia sair de casa, por conta dos inúmeros riscos à sua ainda frágil saúde. Além da cardiopatia da Maya, pessoas T21 são imunossuprimidas e têm maior tendência ao adoecimento.


Hoje, com 10 meses de vida, depois de eliminados seus 17 medicamentos diferentes, ela toma apenas uma medicação para a pressão do coração e uma para tireóide (oh, glória!). Nossa rotina semanal incluir fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional. Todo mês, durante o inverno, ela toma um imunizante para a Bronquiolite oferecido pelo governo ( somente em casos muito especiais e mediante uma imensa burocracia). Todo santo mês, por 5 meses do ano, saímos de casa num dia estipulado pelo programa Mãe Paulistana (mas minha tia acabou de morrer! Não interessa. Vai hoje ou perde) e cruzamos a cidade rumo ao hospital determinado para que a menina receba o imunizante em duas picadas que segundo as enfermeiras (e de acordo com os berros da Maya também) dói feito Benzetacil. Essa rotina se estenderá até os seus 2 anos de idade.


Sim, minha filha só tem 10 meses de vida, mas a minha maternidade atípica já completou 18 meses. Desses, praticamente um ano sem saber se minha filha chegaria ou não a festejar este primeiro aninho de vida que está por vir.

Mas como você vai dar conselhos? – me perguntam. Olha, eu não posso dar conselhos. Na real ninguém pode. O que eu posso é dar relatos. É falar da minha dor, das minhas expectativas frustradas, das minhas tentativas/erro. A mãe atípica não precisa de ninguém ensinando-a a lidar com seu filho atípico, pois ele é único. A mãe atípica precisa de acolhimento. De uma palavra gentil e de um espaço que dê a ela a liberdade para refletir sobre o que é possível ser feito na casa dela, dentro da sua realidade.


É nesse lugar de empatia, onde eu posso falar pra você sobre a minha experiência e sobre a minha capacidade de ouvir a sua dor que eu quero estar. Assim, da próxima vez que tentarem me surpreender com essa pergunta “quem é você pra falar”, direi que sou alguém que está pronta pra ouvir e trocar. Falar é o meu artifício para ouvir de você. Fique à vontade. O espaço da inclusão, não é um espaço de “lacração” de verdades absolutas ou de fórmulas mágicas. É um espaço de diálogo, onde eu me vejo capaz de deixar-me modificar a partir da fala do outro. Se você chegou até aqui e se identifica com esta proposta, chega mais. Temos muito para trocar. #vemcomigo


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